quinta-feira, 30 de outubro de 2025

Rio de Janeiro: Tolerância Zero, Necropolítica e o Terrorismo de Estado; Quando o poder público transforma a favela em campo de guerra, a ultradireita governa pela morte e o cidadão se torna o inimigo

O Rio de Janeiro tornou-se o retrato mais cruel do autoritarismo moderno. Sob o pretexto de “combate ao crime” e da política de tolerância zero, o Estado pratica uma forma institucionalizada de violência que converte a favela em campo de guerra e a vida em alvo.

A recente chacina segundo REUTERS com mais de 130 mortos nas comunidades cariocas, denunciada pela ONU como possível crime de Estado, expôs ao mundo a face mais sombria da necropolítica brasileira — um regime em que a morte é instrumento de governo e a impunidade, política pública.


A chacina e o Estado que mata

Entre 25 e 28 de outubro de 2025, forças policiais deflagraram operações simultâneas em comunidades como Jacarezinho, Vila Cruzeiro, Penha e Manguinhos.

Segundo Reuters (2025) e The Guardian (2025), 132 pessoas foram mortas, tornando-se a ação mais letal da história recente do país.

Testemunhas relataram helicópteros atirando do alto, invasões de residências, remoção apressada de corpos e impedimento de socorro médico.

Para organizações como Anistia Internacional, Human Rights Watch e Conectas Direitos Humanos, não se tratou de uma operação policial — foi um massacre de Estado, com marca de execução sumária e racismo estrutural.


A Política do Medo: Violência de Estado e o Teatro Eleitoral de 2026

As ações violentas no Rio de Janeiro refletem uma política fascista de faz de conta, onde o governo finge combater o crime enquanto promove o medo e o extermínio da população negra e periférica. Essa escalada repressiva é usada como palco eleitoral para 2026, transformando a tragédia em propaganda e a dor do povo em capital político.


A “tolerância zero” e a ideologia da ultradireita

A política de tolerância zero, importada dos Estados Unidos nos anos 1990, prega a repressão absoluta, inclusive contra pequenas infrações.

No contexto brasileiro, essa doutrina ganhou contornos brutais: mata-se primeiro, investiga-se depois.

A lógica é simples — e perversa: transformar o pobre, o negro e o favelado no inimigo interno, o inimigo a ser eliminado.


Essa ideologia é alimentada pela ultradireita brasileira, que dissemina o ódio como método político.

Nos discursos de autoridades e influenciadores, os direitos humanos viram sinônimo de impunidade, e a violência do Estado é celebrada como justiça.

É a consagração da necropolítica, conceito de Achille Mbembe (2018), segundo o qual o poder soberano decide quem pode viver e quem deve morrer.


Necropolítica e racismo estrutural

A necropolítica no Brasil é sustentada por um racismo estrutural histórico, como explicam Sueli Carneiro (2011) e Silvio Almeida (2019).

A vida tem cor, território e classe social. A morte também. O Estado escolhe, diariamente, quem merece a bala e quem merece o benefício da dúvida. Essa seletividade se expressa na prática: enquanto operações nas favelas produzem dezenas de corpos, crimes de colarinho branco seguem intocados. O poder público faz da morte um espetáculo e da violência, uma política.


Terrorismo de Estado: o medo como ferramenta de controle

O conceito de terrorismo de Estado descreve o uso da violência institucional para manter o controle social e político.

No Rio de Janeiro, o medo se tornou instrumento de governo. A cada incursão policial, comunidades inteiras vivem sob toque de recolher, escolas fecham, crianças se escondem. A mensagem é clara: o Estado está acima da lei — e o morador da favela, abaixo da humanidade.

Essa política de medo não combate o tráfico — o reproduz, fortalecendo estruturas paralelas e corroendo a confiança nas instituições democráticas. A favela é ocupada, mas o Estado ausente não leva educação, saúde ou emprego — leva balas e tanques.


A ONU e o alerta internacional

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ONU, 2025) pediu investigação independente e urgente sobre o massacre do Rio, apontando padrões sistemáticos de execução e impunidade.

A organização lembrou que o Brasil é signatário de tratados que proíbem o uso letal desproporcional da força.

Mesmo assim, o governo estadual reagiu com silêncio e negação, defendendo os agentes e criminalizando as vítimas. O resultado é o agravamento da crise de direitos humanos e o enfraquecimento da democracia.


A visita a Israel e a militarização da política

Pouco antes das chacinas, governadores brasileiros — incluindo o do Rio — visitaram Israel para conhecer “tecnologias de segurança e controle urbano”.

Embora não haja ligação direta comprovada, analistas veem afinidade ideológica entre os modelos: ambos tratam territórios pobres como zonas de exceção, onde o Estado atua militarmente contra a própria população.

A “guerra às drogas” repete, no contexto brasileiro, a lógica colonial e segregacionista: governar pela força, exterminar pela justificativa da ordem.


Conclusão: entre o luto e a luta

O massacre no Rio de Janeiro simboliza o colapso ético do Estado brasileiro.

A tolerância zero converteu-se em tolerância ao assassinato, e o discurso da “lei e da ordem” se tornou licença para matar.

Quando o poder público assume o papel de carrasco, a democracia perde seu sentido.

É urgente reconstruir uma política de segurança que coloque a vida no centro do Estado — e não sob a mira de suas armas.

Enquanto isso não acontecer, cada vela acesa nos becos do Rio lembrará ao país que não há paz possível onde o governo escolhe quem deve morrer.

A política de morte fascista no Rio de Janeiro revela a face brutal da necropolítica, do terrorismo de Estado e do genocídio da população negra e periférica. 

Em nome da “ordem”, o governo transforma as favelas em campo de guerra e o medo em palanque eleitoral. A tragédia vira propaganda, e a vida, mero número na disputa pelo poder.

Vida é vida, não tem motivo que se possa tirar a vida. Os mesmo que querem liberdade para acabar com a democracia.  Usam o Estado para fazer terrorismo. 

Na lógica perversa das classes, riqueza é confundida com virtude e pobreza com culpa. Sartre já advertia: ‘o outro é o inferno’ — o olhar moralista que condena o pobre enquanto absolve o burguês. 

Freud veria nisso o instinto de poder travestido de moral: o prazer inconsciente de dominar o outro. A verdadeira corrupção é estrutural — moral, simbólica e social.


Bibliográficas

ALMEIDA, Sílvio Luiz de. Racismo Estrutural. São Paulo: Pólen, 2019.

AMNESTY INTERNATIONAL. Brazil: Police Massacre in Rio de Janeiro Favela Reprehensible. Londres: Amnesty, 2021.

CARNEIRO, Sueli. Racismo, Sexismo e Desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro, 2011.

CONECTAS DIREITOS HUMANOS. Relatório sobre Letalidade Policial no Brasil. São Paulo: Conectas, 2024.

HUMAN RIGHTS WATCH. Raid in Rio de Janeiro Leaves 28 Dead. Nova York: HRW, 2021.

MBEMBE, Achille. Necropolítica. São Paulo: n-1 edições, 2018.

ONU – ALTO COMISSARIADO DE DIREITOS HUMANOS. UN Urges Brazil to Investigate Rio Police Raids. Genebra, 2025.

REUTERS. More Than 130 Killed in Rio’s Deadliest Police Operations. Londres, 2025.

THE GUARDIAN. Brazil: At Least 64 Reported Killed in Rio’s Worst Day of Violence. Londres, 2025.







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