quinta-feira, 30 de outubro de 2025

A Política Migratória de Donald Trump: Xenofobia, Racismo, Retórica de Ódio e Criminalização dos Latinos e Brasileiros

O presente estudo analisa o tratamento dispensado aos migrantes latino-americanos — especialmente brasileiros — durante o governo e o atual discurso político de Donald Trump nos Estados Unidos. Como migrações são tratados atualmente nos EUA, pelo governo Trump? As políticas migratórias e a retórica xenófoba e racistas expressam uma necropolítica de exclusão, sustentada por estigmas raciais e pela construção do imigrante como inimigo. O estudo evidencia como a linguagem e as ações do presidente reforçam práticas de desumanização e de violação de direitos humanos.


Palavras-chave: migrações; xenofobia; necropolítica; Donald Trump; direitos humanos.


Introdução

A política migratória norte-americana, historicamente seletiva e racista, alcançou níveis extremos sob o governo de Donald Trump (2017–2021). 

O discurso de “tolerância zero” e o fechamento das fronteiras transformaram migrantes latino-americanos em alvos de perseguição política, retórica de ódio e exclusão social. 

Em seu novo ciclo político, Trump mantém a mesma narrativa populista e punitiva, com impactos diretos sobre brasileiros e demais latinos que buscam melhores condições de vida nos EUA.


Da Fronteira ao Discurso de ódio: Necropolítica, Racismo e Exclusão Migratória 

Durante seu mandato, Trump implementou políticas de detenção em massa, deportações forçadas e separação de famílias na fronteira.

 A justificativa era o combate à “invasão” migrante — termo repetidamente utilizado em seus discursos. 

Migrantes foram descritos como “criminosos”, “estupradores”, “animais” e “envenenadores do sangue americano”, conforme reportado por fontes como Time (2019), Reuters (2024) e Human Rights Watch (2018).

Os brasileiros, embora em número crescente entre os migrantes, não foram poupados da retórica discriminatória. 

Trump associou o aumento da imigração brasileira ao tráfico humano e à entrada irregular pela fronteira mexicana, reforçando estigmas raciais e econômicos. 

Ao diferenciar “bons imigrantes” (legais) e “maus imigrantes” (ilegais), sua política reatualiza o racismo estrutural travestido de nacionalismo.

O atual discurso político de Trump, em sua tentativa de retorno ao poder, reafirma a ideia de “purificação nacional”, com declarações que remetem à lógica eugenista ao dizer que migrantes estão “envenenando o sangue dos Estados Unidos”. Tal linguagem desumanizadora sustenta uma necropolítica que decide quem pode viver e quem pode morrer à margem da lei e da dignidade.



O Sonho Americano e a Realidade da Exclusão: Racismo e Xenofobia contra Brasileiros nos Estados Unidos

A busca por melhores condições de vida leva milhares de brasileiros a migrarem, legal ou ilegalmente, para os Estados Unidos. Contudo, o chamado “sonho americano” frequentemente se converte em realidade de exclusão, racismo e humilhação, sobretudo para os migrantes latino-americanos e negros.

 Mesmo entre brasileiros brancos, o marcador “latino” os insere em uma categoria inferiorizada no imaginário social norte-americano, marcada pela xenofobia e pela precarização do trabalho.

Durante o governo de Donald Trump, o discurso anti-imigração intensificou o estigma contra latinos. 

Termos como “invasores”, “criminosos” e “animais” foram utilizados para justificar políticas repressivas, deportações e separação de famílias (HUMAN RIGHTS WATCH, 2018; REUTERS, 2024). Essa retórica reforça a ideia de que o imigrante latino representa uma ameaça à nação branca e cristã — um discurso profundamente enraizado na história colonial dos Estados Unidos (MBEMBE, 2018).

Para os brasileiros negros, essa experiência é ainda mais violenta. Eles enfrentam dupla discriminação: o racismo estrutural que já os marca no Brasil e o racismo institucional norte-americano, que associa negritude à marginalidade. 

Estudos apontam que imigrantes negros sofrem taxas mais altas de prisão e deportação (GOMES, 2017). A migração irregular, por sua vez, expõe essa população a condições análogas à escravidão, exploração trabalhista e medo constante da deportação.

É importante lembrar que migrar legalmente exige capital econômico e simbólico — passaporte, visto, comprovação de renda e vínculos sociais estáveis. Assim, a mobilidade internacional se torna um privilégio de classe, inacessível para a maioria da população brasileira. 

A seletividade racial e econômica dos sistemas migratórios perpetua o colonialismo sob novas formas: um apartheid global da mobilidade.





O “sonho americano”, portanto, não é um projeto de liberdade universal, mas um mecanismo de produção de hierarquias raciais e econômicas, que continua a determinar quem tem direito à vida digna e quem é condenado à invisibilidade nas margens do sistema.

Trump e o ‘Gold Card’: Atraindo Ricos para os EUA por US$ 5 Milhões”
O presidente Trump propôs a criação de um visto especial denominado “Gold Card”, com custo estimado em US$ 5 milhões, que substituiria o programa de vistos para investidores EB‑5.  Segundo Trump, o cartão “dará privilégios de green card plus” e caminho para a cidadania americana: “We’re going to be selling a gold card … about $5 million … it’s going to give you green‑card privileges plus … a route to (American) citizenship”.  
A proposta também prevê benefícios fiscais: consultores apontam que detentores do Gold Card poderiam não ser tributados sobre renda auferida fora dos EUA. 
 No entanto, especialistas advertem que o plano ainda carece de base legislativa, já que as leis de imigração e naturalização são definidas pelo Congresso, e questionam se o programa realmente atrairá muitos investidores estrangeiros.  
A iniciativa sinaliza uma reforma de alto valor econômico na política migratória: em vez de restringir imigrantes de baixa renda, o foco é privilegiar os super‑ricos com potencial de investimento no país. 


Conclusão

O tratamento dos migrantes latinos e brasileiros sob Trump revela a face autoritária e excludente do nacionalismo estadunidense contemporâneo.

 A política migratória se converte em instrumento de poder e medo, transformando a alteridade em ameaça. 

Ao associar o imigrante à criminalidade, Trump reforça um projeto político de supremacia branca e controle social. 

Combater essa lógica requer políticas internacionais baseadas nos direitos humanos, na solidariedade e na justiça racial.

E ainda tem brasileiros que sonham em irem para os estadosunidos para serem humilhados, sofrerem racismo e xenofobia por serem latinos mesmo que sejam brancos.

 Realidade que é mais dura para a negritude brasileira que se aventura de ir ilegalmente para os EUA. Ir legalmente para outro país tem custos e se tem que comprovar que tem recursos financeiros para passarem no país.

Em conclusão, a migração de brasileiros para os EUA revela profundas desigualdades raciais e sociais.

 O racismo e a xenofobia estruturais transformam o “sonho americano” em experiência de exclusão e violência. 

Assim, a mobilidade internacional permanece marcada por privilégios de classe e barreiras raciais persistentes.


Bibliográficas

HUMAN RIGHTS WATCH. Trump’s Racist Language Serves Abusive Immigration Policies. 2018.

TIME Magazine. Trump’s Anti-Immigration Rhetoric and Racism. 2019.

REUTERS. Trump Calls Migrants ‘Animals’ and Says They Are ‘Poisoning America’s Blood’. 2024.

WASHINGTON POST. Trump’s Univision Town Hall and Immigration Statements. 2024.

MBEMBE, Achille. Necropolítica. São Paulo: n-1 Edições, 2018.

CHOMSKY, Noam. Quem manda no mundo? São Paulo: Bertrand Brasil, 2016.

Folha de São Paulo, Entenda como é o processo de deportação de migrantes em situação irregular nos EUA, 2025. < https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2025/01/entenda-como-e-processo-de-deportacao-de-imigrantes-em-situacao-irregular-nos-eua.shtml > Acessado em 2025.

GOMES, Nilma Lino. Educação e relações raciais: refletindo sobre algumas estratégias de enfrentamento do racismo. Educação e Sociedade, Campinas, v. 38, n. 139, 2017.

SAFFIOTI, Heleieth. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. São Paulo: Expressão Popular, 2013.

Reuters. “Trump floats $5 million ‘gold card’ as a route to US citizenship.” 25 fev. 2025. 

CNBC. “Trump’s $5 million ‘gold card’ visa would give a tax loophole for the wealthy.” 27 fev. 2025. 

The Washington Post. “Trump to replace investor visa program with $5 million gold‑cards.” 25 fev. 2025. 

Euronews. “Trump proposes $5 million ‘gold card’ for wealthy investors, including Russians.” 26 fev. 2025.











Rio de Janeiro: Tolerância Zero, Necropolítica e o Terrorismo de Estado; Quando o poder público transforma a favela em campo de guerra, a ultradireita governa pela morte e o cidadão se torna o inimigo

O Rio de Janeiro tornou-se o retrato mais cruel do autoritarismo moderno. Sob o pretexto de “combate ao crime” e da política de tolerância zero, o Estado pratica uma forma institucionalizada de violência que converte a favela em campo de guerra e a vida em alvo.

A recente chacina segundo REUTERS com mais de 130 mortos nas comunidades cariocas, denunciada pela ONU como possível crime de Estado, expôs ao mundo a face mais sombria da necropolítica brasileira — um regime em que a morte é instrumento de governo e a impunidade, política pública.


A chacina e o Estado que mata

Entre 25 e 28 de outubro de 2025, forças policiais deflagraram operações simultâneas em comunidades como Jacarezinho, Vila Cruzeiro, Penha e Manguinhos.

Segundo Reuters (2025) e The Guardian (2025), 132 pessoas foram mortas, tornando-se a ação mais letal da história recente do país.

Testemunhas relataram helicópteros atirando do alto, invasões de residências, remoção apressada de corpos e impedimento de socorro médico.

Para organizações como Anistia Internacional, Human Rights Watch e Conectas Direitos Humanos, não se tratou de uma operação policial — foi um massacre de Estado, com marca de execução sumária e racismo estrutural.


A Política do Medo: Violência de Estado e o Teatro Eleitoral de 2026

As ações violentas no Rio de Janeiro refletem uma política fascista de faz de conta, onde o governo finge combater o crime enquanto promove o medo e o extermínio da população negra e periférica. Essa escalada repressiva é usada como palco eleitoral para 2026, transformando a tragédia em propaganda e a dor do povo em capital político.


A “tolerância zero” e a ideologia da ultradireita

A política de tolerância zero, importada dos Estados Unidos nos anos 1990, prega a repressão absoluta, inclusive contra pequenas infrações.

No contexto brasileiro, essa doutrina ganhou contornos brutais: mata-se primeiro, investiga-se depois.

A lógica é simples — e perversa: transformar o pobre, o negro e o favelado no inimigo interno, o inimigo a ser eliminado.


Essa ideologia é alimentada pela ultradireita brasileira, que dissemina o ódio como método político.

Nos discursos de autoridades e influenciadores, os direitos humanos viram sinônimo de impunidade, e a violência do Estado é celebrada como justiça.

É a consagração da necropolítica, conceito de Achille Mbembe (2018), segundo o qual o poder soberano decide quem pode viver e quem deve morrer.


Necropolítica e racismo estrutural

A necropolítica no Brasil é sustentada por um racismo estrutural histórico, como explicam Sueli Carneiro (2011) e Silvio Almeida (2019).

A vida tem cor, território e classe social. A morte também. O Estado escolhe, diariamente, quem merece a bala e quem merece o benefício da dúvida. Essa seletividade se expressa na prática: enquanto operações nas favelas produzem dezenas de corpos, crimes de colarinho branco seguem intocados. O poder público faz da morte um espetáculo e da violência, uma política.


Terrorismo de Estado: o medo como ferramenta de controle

O conceito de terrorismo de Estado descreve o uso da violência institucional para manter o controle social e político.

No Rio de Janeiro, o medo se tornou instrumento de governo. A cada incursão policial, comunidades inteiras vivem sob toque de recolher, escolas fecham, crianças se escondem. A mensagem é clara: o Estado está acima da lei — e o morador da favela, abaixo da humanidade.

Essa política de medo não combate o tráfico — o reproduz, fortalecendo estruturas paralelas e corroendo a confiança nas instituições democráticas. A favela é ocupada, mas o Estado ausente não leva educação, saúde ou emprego — leva balas e tanques.


A ONU e o alerta internacional

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ONU, 2025) pediu investigação independente e urgente sobre o massacre do Rio, apontando padrões sistemáticos de execução e impunidade.

A organização lembrou que o Brasil é signatário de tratados que proíbem o uso letal desproporcional da força.

Mesmo assim, o governo estadual reagiu com silêncio e negação, defendendo os agentes e criminalizando as vítimas. O resultado é o agravamento da crise de direitos humanos e o enfraquecimento da democracia.


A visita a Israel e a militarização da política

Pouco antes das chacinas, governadores brasileiros — incluindo o do Rio — visitaram Israel para conhecer “tecnologias de segurança e controle urbano”.

Embora não haja ligação direta comprovada, analistas veem afinidade ideológica entre os modelos: ambos tratam territórios pobres como zonas de exceção, onde o Estado atua militarmente contra a própria população.

A “guerra às drogas” repete, no contexto brasileiro, a lógica colonial e segregacionista: governar pela força, exterminar pela justificativa da ordem.


Conclusão: entre o luto e a luta

O massacre no Rio de Janeiro simboliza o colapso ético do Estado brasileiro.

A tolerância zero converteu-se em tolerância ao assassinato, e o discurso da “lei e da ordem” se tornou licença para matar.

Quando o poder público assume o papel de carrasco, a democracia perde seu sentido.

É urgente reconstruir uma política de segurança que coloque a vida no centro do Estado — e não sob a mira de suas armas.

Enquanto isso não acontecer, cada vela acesa nos becos do Rio lembrará ao país que não há paz possível onde o governo escolhe quem deve morrer.

A política de morte fascista no Rio de Janeiro revela a face brutal da necropolítica, do terrorismo de Estado e do genocídio da população negra e periférica. 

Em nome da “ordem”, o governo transforma as favelas em campo de guerra e o medo em palanque eleitoral. A tragédia vira propaganda, e a vida, mero número na disputa pelo poder.

Vida é vida, não tem motivo que se possa tirar a vida. Os mesmo que querem liberdade para acabar com a democracia.  Usam o Estado para fazer terrorismo. 

Na lógica perversa das classes, riqueza é confundida com virtude e pobreza com culpa. Sartre já advertia: ‘o outro é o inferno’ — o olhar moralista que condena o pobre enquanto absolve o burguês. 

Freud veria nisso o instinto de poder travestido de moral: o prazer inconsciente de dominar o outro. A verdadeira corrupção é estrutural — moral, simbólica e social.


Bibliográficas

ALMEIDA, Sílvio Luiz de. Racismo Estrutural. São Paulo: Pólen, 2019.

AMNESTY INTERNATIONAL. Brazil: Police Massacre in Rio de Janeiro Favela Reprehensible. Londres: Amnesty, 2021.

CARNEIRO, Sueli. Racismo, Sexismo e Desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro, 2011.

CONECTAS DIREITOS HUMANOS. Relatório sobre Letalidade Policial no Brasil. São Paulo: Conectas, 2024.

HUMAN RIGHTS WATCH. Raid in Rio de Janeiro Leaves 28 Dead. Nova York: HRW, 2021.

MBEMBE, Achille. Necropolítica. São Paulo: n-1 edições, 2018.

ONU – ALTO COMISSARIADO DE DIREITOS HUMANOS. UN Urges Brazil to Investigate Rio Police Raids. Genebra, 2025.

REUTERS. More Than 130 Killed in Rio’s Deadliest Police Operations. Londres, 2025.

THE GUARDIAN. Brazil: At Least 64 Reported Killed in Rio’s Worst Day of Violence. Londres, 2025.







terça-feira, 28 de outubro de 2025

SOCIOLOGIAS FEMINISTAS E DECOLONIAIS: CONTRIBUIÇÕES DE MULHERES DOS SÉCULOS XX E XXI

O presente estudo tem como objetivo analisar as principais contribuições de mulheres sociólogas e pensadoras dos séculos XX e XXI que transformaram o campo da sociologia ao introduzirem perspectivas feministas, antirracistas e decoloniais. Organizado em quatro eixos — pioneiras do século XX, sociologias de gênero e raça, perspectivas decoloniais e produção contemporânea —, o estudo destaca autoras que ampliaram a compreensão das estruturas sociais a partir de experiências historicamente marginalizadas. A partir de Heleieth Saffioti, Simone de Beauvoir, Ann Oakley e bell hooks, até as formulações de Patricia Hill Collins, Kimberlé Crenshaw, Lélia Gonzalez, Amina Mama, Oyèrónké Oyěwùmí, Silvia Rivera Cusicanqui, María Lugones, Rita Segato, Nancy Fraser, Nira Yuval-Davis e Pumla Gqola, evidencia-se o diálogo entre gênero, raça, classe e colonialidade. Conclui-se que as sociologias feministas e decoloniais constituem campos fundamentais para a renovação crítica da teoria social contemporânea.


Palavras-chave: Sociologia feminista. Gênero. Raça. Decolonialidade. Epistemologias críticas.



1. Introdução

A sociologia, desde sua constituição no século XIX, foi marcada pela predominância de perspectivas masculinas e eurocêntricas. Contudo, ao longo do século XX, mulheres intelectuais passaram a ocupar espaços de produção científica e política, questionando as bases androcêntricas e coloniais da teoria social. As contribuições dessas pensadoras permitiram o surgimento de uma sociologia feminista, negra e decolonial, comprometida com a justiça social e a reconstrução epistemológica do conhecimento.

Este artigo propõe uma leitura panorâmica e crítica da contribuição de dezesseis mulheres sociólogas e filósofas sociais, agrupadas em quatro eixos temáticos. O objetivo é compreender como suas produções teóricas dialogam e reconfiguram a compreensão das relações sociais de poder, revelando novas possibilidades interpretativas sobre o mundo contemporâneo.


Conceitos sociológicos de mulheres sociólogas do século XX e XXI


1. América Latina


Heleieth Saffioti (Brasil)

Pioneira da sociologia feminista no Brasil, Heleieth Saffioti (1934–2010) uniu o marxismo à análise de gênero e classe. Em obras como A Mulher na Sociedade de Classes (1969), desvelou a dupla exploração da mulher — pelo capital e pelo patriarcado. Saffioti foi uma das primeiras a introduzir a perspectiva materialista na compreensão da opressão feminina, propondo que a emancipação das mulheres depende da transformação estrutural da sociedade.


Marilena Chauí (Brasil)

Filósofa e socióloga, Marilena Chauí (n. 1941) investiga ideologia, poder e autoritarismo no contexto brasileiro. Sua reflexão sobre a “ideologia da competência” e o “autoritarismo social” explicita como as desigualdades são naturalizadas nas instituições. A autora também discute o papel da cultura na formação da cidadania e da consciência crítica, influenciando os estudos de sociologia política e filosofia social.


Eva Blay (Brasil)

Eva Blay (n. 1937) é uma das fundadoras dos estudos de gênero no Brasil e criadora do Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero (USP). Sua produção aborda o feminismo como prática política e científica, destacando o papel das mulheres na construção da democracia e na formulação de políticas públicas. Trabalha com temas como violência de gênero e participação feminina na vida pública.


Sueli Carneiro (Brasil)

Sueli Carneiro (n. 1950) é socióloga, filósofa e ativista do feminismo negro. Fundadora do Geledés – Instituto da Mulher Negra, desenvolveu o conceito de “epistemologia do ponto de vista da mulher negra”. Sua crítica denuncia o racismo estrutural e o sexismo institucional, defendendo a autonomia intelectual e política das mulheres negras na sociedade brasileira.


Lélia Gonzalez (Brasil)

Lélia Gonzalez (1935–1994) articulou gênero, raça e cultura na América Latina, introduzindo o conceito de amefricanidade. Essa noção propõe uma identidade afro-latino-americana que valoriza as raízes africanas e indígenas na formação do continente. Sua sociologia critica o eurocentrismo e propõe uma epistemologia afrocentrada e feminista.


Gilda de Mello e Souza (Brasil)

Gilda de Mello e Souza (1931–2005) foi socióloga e crítica cultural, interessada nas expressões simbólicas da sociedade brasileira. Pesquisou moda, estética e comportamento, destacando a moda como linguagem social capaz de revelar valores, hierarquias e identidades coletivas. Sua abordagem une sociologia, história e cultura material, mostrando como práticas cotidianas refletem e reproduzem estruturas sociais e padrões de poder.


Rita Laura Segato (Argentina/Brasil)

Rita Laura Segato (n. 1951) é antropóloga e socióloga com foco em gênero, violência sexual e patriarcado. Desenvolveu o conceito de “pedagogia da crueldade”, analisando como a violência contra as mulheres funciona como instrumento simbólico e estrutural de dominação patriarcal. Seu trabalho integra perspectiva feminista e decolonial, discutindo as conexões entre colonialismo, Estado e violência de gênero.


Elizabeth Souza-Lobo (Brasil)

Elizabeth Souza-Lobo (1940–2011) estudou o trabalho feminino e a condição das mulheres na sociedade brasileira. Sua pesquisa abordou a divisão sexual do trabalho e as desigualdades estruturais que afetam o acesso das mulheres ao mercado e à autonomia econômica. A autora desenvolveu análises que combinam marxismo e feminismo, mostrando como gênero e classe se articulam na exploração social.


Teresa Caldeira (Brasil)

Teresa Caldeira (n. 1958) é antropóloga urbana e socióloga, conhecida por suas pesquisas sobre espaço urbano, violência e cidadania. Em obras como Cidade de Muros, analisa a segregação social, a criminalidade e a percepção de segurança nas cidades. Introduziu o conceito de “cidadania periférica”, enfatizando a relação entre desigualdade espacial e vulnerabilidade social.


María Lugones (Argentina/Estados Unidos)

María Lugones (1944–2020) foi filósofa e socióloga decolonial. Propôs o conceito de “colonialidade de gênero”, articulando opressões de raça, gênero e colonialidade. Sua obra conecta feminismo, pensamento latino-americano e estudos pós-coloniais, oferecendo uma análise crítica das relações de poder globais e da exclusão histórica das mulheres racializadas.


Silvia Rivera Cusicanqui (Bolívia)

Silvia Rivera Cusicanqui (n. 1949) é socióloga aimará e ativista decolonial. Desenvolveu o conceito de ch’ixi, uma perspectiva que reconhece a coexistência de diferentes identidades culturais sem que uma se subjugue à outra. Seu trabalho critica o colonialismo e o patriarcado, propondo uma epistemologia que valoriza os saberes indígenas e a resistência histórica.


Ana María Fernández (Argentina)

Ana María Fernández (n. 1950) é socióloga e psicossocióloga, estudando gênero, subjetividade e relações de poder. Sua produção acadêmica combina análise crítica com abordagens feministas, enfatizando a experiência das mulheres em contextos de opressão social e política. Destaca-se na análise das dinâmicas sociais que moldam identidades e relações de gênero.


Margarita Pisano (Chile)

Margarita Pisano (1932–2015) foi ativista e teórica feminista chilena. Articulou movimentos feministas radicais, discutindo autonomia, liberdade e igualdade. Pisano propôs a valorização da experiência feminina como fonte de conhecimento e resistência. Seu pensamento combina teoria e militância, fortalecendo a perspectiva feminista latino-americana.


Elizabeth Jelin (Argentina)

Elizabeth Jelin (n. 1948) é socióloga e pesquisadora da memória, direitos humanos e gênero. Sua análise conecta violência política e social com construção de gênero e cidadania. Jelin destaca a importância da memória coletiva para entender a opressão e o papel das mulheres na resistência e transformação social.


Patricia Hill Collins (EUA/Influência na América Latina)

Embora norte-americana, Patricia Hill Collins (n. 1948) exerce grande influência na América Latina. Sua teoria da interseccionalidade negra combina gênero, raça e classe na análise das desigualdades sociais. O conceito de “matriz de dominação” permite compreender como múltiplas formas de opressão se entrelaçam e estruturam a vida social.



2. África e Diáspora Africana


Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí (Nigéria)

Socióloga nigeriana, Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí (n. 1947) é referência na crítica ao conceito ocidental de gênero. Em The Invention of Women, demonstra que a sociedade iorubá tradicional estruturava-se por gerações e não por distinções de gênero. Propôs o conceito de “descolonização do gênero”, destacando como categorias ocidentais podem distorcer a análise das sociedades africanas. Seu trabalho reformula a sociologia comparativa e pós-colonial, oferecendo uma perspectiva crítica sobre imposições culturais e epistemológicas externas.


Amina Mama (Nigéria/Reino Unido)

Amina Mama (n. 1958) é socióloga e feminista africana, radicada no Reino Unido. Estuda militarização, neocolonialismo e políticas de gênero em contextos africanos. Propôs o conceito de “segurança de gênero”, analisando como conflitos armados e estruturas de poder impactam especificamente mulheres e meninas. Sua produção acadêmica conecta teoria e prática política, evidenciando a necessidade de epistemologias africanas feministas no planejamento de políticas sociais.


Fatou Sow (Senegal)

Fatou Sow (n. 1951) é socióloga senegalesa especialista em família, gênero e desigualdades sociais na África francófona. Analisa como a tradição, religião e estruturas patriarcais influenciam a vida das mulheres. Sow desenvolve uma abordagem crítica da sociologia do gênero no contexto pós-colonial, destacando a resistência feminina e as estratégias comunitárias de empoderamento.


Pumla Gqola (África do Sul)

Pumla Gqola (n. 1972) é socióloga sul-africana especializada em violência de gênero e cultura patriarcal. Investiga a política do corpo feminino, sexualidade e as relações de poder nas sociedades pós-apartheid. Sua produção evidencia a interseção de gênero, raça e classe, destacando como a violência estrutural se reproduz em espaços sociais, culturais e institucionais.


Nkiru Nzegwu (Nigéria/Canadá)

Nkiru Nzegwu (n. 1954) é filósofa e socióloga nigeriana radicada no Canadá. Trabalha com epistemologias africanas e teoria de gênero, criticando as imposições conceituais ocidentais. Destaca a “filosofia africana do gênero” como ferramenta para compreender relações sociais e culturais de forma autônoma, valorizando saberes indígenas e afrodescendentes.


Oluwakemi Balogun (Nigéria/EUA)

Oluwakemi Balogun (n. 1960) é pesquisadora de gênero e globalização. Analisa como padrões culturais e econômicos transnacionais afetam as mulheres africanas. Sua produção aborda feminismo transnacional e os impactos da diáspora africana, propondo estratégias de empoderamento feminino que respeitem identidades culturais locais e experiências de deslocamento global.


Grace Bantebya Kyomuhendo (Uganda)

Grace Bantebya Kyomuhendo (n. 1958) é socióloga ugandense que trabalha com pobreza, gênero e desenvolvimento. Investiga políticas sociais, participação feminina e desigualdade econômica. Propôs metodologias participativas que valorizam o conhecimento das comunidades locais e a experiência prática das mulheres na superação da pobreza.


Ifi Amadiume (Nigéria)

Ifi Amadiume (n. 1942) é antropóloga e socióloga nigeriana. Pesquisou relações de gênero em sociedades africanas, enfocando o matricentrismo e a organização social pré-colonial. Sua obra desafia a perspectiva patriarcal ocidental, propondo leituras feministas baseadas em epistemologias africanas. Destaca-se também na análise da religião tradicional e da memória social feminina.


Chimamanda Adichie (Nigéria)

Embora mais conhecida como escritora, Chimamanda Adichie (n. 1977) contribui para debates sociológicos e feministas na África. Sua produção aborda gênero, identidade e desigualdade social, conectando narrativas literárias a análises culturais e políticas. Destaca o poder da linguagem na construção de consciência feminista e crítica social.


Fatima Hassan (África do Sul)

Fatima Hassan (n. 1962) é pesquisadora e ativista sul-africana que trabalha com direitos humanos e políticas de gênero. Suas análises sociológicas focam na interseção entre saúde, violência e desigualdade estrutural. Propõe frameworks de pesquisa que conectam a experiência local com políticas globais de justiça social.



3. Europa


Simone de Beauvoir (França)

Simone de Beauvoir (1908–1986) foi filósofa, escritora e socióloga, base do feminismo existencialista. Em O Segundo Sexo, analisou a opressão feminina como construção histórica e cultural, introduzindo conceitos de “Outro” e libertação das mulheres. Sua obra é central para a sociologia de gênero, influenciando estudos sobre identidade, liberdade e desigualdade social em contextos europeus e globais.


Dorothy Smith (Canadá)

Dorothy Smith (1926–2022) criou a sociologia feminista institucional, propondo a análise da experiência cotidiana das mulheres e a forma como instituições estruturam desigualdades. Introduziu o conceito de “ponto de vista da mulher”, destacando como saberes femininos podem oferecer epistemologias alternativas à ciência social tradicional.


Sylvia Walby (Reino Unido)

Sylvia Walby (n. 1953) é socióloga britânica especialista em patriarcado, globalização e desigualdade social. Seu conceito de “patriarcado estruturado” mostra como instituições políticas, econômicas e culturais reproduzem a opressão de gênero. Walby também analisa interações entre gênero, classe e raça na contemporaneidade.


Nancy Fraser (EUA/Alemanha)

Nancy Fraser (n. 1947) atua entre EUA e Alemanha. Teórica crítica, combina filosofia social e feminismo, analisando justiça, redistribuição e reconhecimento. Introduziu a ideia de “justiça participativa” e critica desigualdades econômicas e simbólicas, propondo uma abordagem multidimensional que integra teoria social, política e feminista.


Ann Oakley (Reino Unido)

Ann Oakley (n. 1944) é pioneira em estudos de gênero e metodologia feminista. Estudou divisão sexual do trabalho, maternidade e saúde. Introduziu práticas de pesquisa que valorizam experiências femininas, criticando abordagens tradicionais e propondo análise interdisciplinar da vida social e das relações de poder.


Judith Butler (EUA/Atuação global)

Judith Butler (n. 1956) é filósofa e teórica feminista, conhecida pelo conceito de gênero como performativo. Sua análise sociológica questiona identidades fixas e normativas, mostrando como gênero é construído socialmente. Butler impacta debates sobre sexualidade, teoria queer e políticas de reconhecimento, influenciando pesquisas europeias e globais.


Beverley Skeggs (Reino Unido)

Beverley Skeggs (n. 1961) pesquisa classe, gênero e moralidade. Analisa como mulheres de diferentes contextos sociais são avaliadas moralmente pela sociedade, destacando processos de estigmatização e exclusão. Propõe uma sociologia crítica que integra estrutura social, cultura e subjetividade.


Nira Yuval-Davis (Israel/Reino Unido)

Nira Yuval-Davis (n. 1947) é socióloga especializada em interseccionalidade, cidadania e estudos de gênero. Seu conceito de “política de pertencimento” analisa identidade, etnicidade e nacionalidade, enfatizando como exclusão social e desigualdade de gênero se entrelaçam. Atua como referência em debates sobre multiculturalismo e direitos humanos.


Imelda Whelehan (Reino Unido)

Imelda Whelehan (n. 1960) contribuiu para estudos culturais e feministas. Analisa representações midiáticas, sexualidade e construção da identidade feminina. Seu trabalho investiga como cultura popular e mídia reproduzem ou contestam desigualdades de gênero e padrões sociais, oferecendo ferramentas críticas para estudos sociológicos contemporâneos.


Sylvia Walby (Reino Unido) (relembrando para fechar o eixo)

Walby reforça a análise do patriarcado estrutural, destacando a interação entre gênero, economia e política. Seu enfoque é comparativo, analisando diferenças entre sociedades e os efeitos da globalização na manutenção ou transformação de desigualdades de gênero.




4. América do Norte


Patricia Hill Collins (EUA)

Patricia Hill Collins (n. 1948) é socióloga e teórica do feminismo negro. Desenvolveu a teoria da interseccionalidade e a epistemologia negra, analisando como raça, classe e gênero se interconectam para estruturar desigualdades sociais. Introduziu o conceito de “matriz de dominação”, mostrando como diferentes formas de opressão se sobrepõem. Sua produção acadêmica enfatiza a experiência das mulheres negras como fonte legítima de conhecimento e resistência.


bell hooks (EUA)

bell hooks (1952–2021) foi filósofa, escritora e feminista negra. Sua obra aborda cultura, amor, educação e feminismo, conectando teoria crítica e ativismo. Introduziu o conceito de “amor como prática política” e criticou a marginalização das mulheres negras no feminismo mainstream. hooks enfatiza a necessidade de interseccionalidade na análise de poder e desigualdade, promovendo uma sociologia crítica e inclusiva.


Angela Davis (EUA)

Angela Davis (n. 1944) é filósofa, socióloga e ativista política. Estuda racismo, capitalismo, gênero e o sistema prisional. Em obras como Mulher, Raça e Classe, analisa a opressão das mulheres negras na interseção entre exploração econômica e desigualdade social. Davis combina teoria e militância, propondo alternativas políticas e pedagógicas para emancipação social e justiça racial.


Dorothy E. Roberts (EUA)

Dorothy E. Roberts (n. 1959) é socióloga e jurista, especialista em biopolítica e racismo científico. Analisa como ciência, lei e medicina reproduzem desigualdades de gênero e raça. Em Fatal Invention, discute os riscos de políticas genéticas e raciais, propondo uma abordagem crítica sobre ciência e tecnologia para proteger direitos humanos e justiça social.


Kimberlé Crenshaw (EUA)

Kimberlé Crenshaw (n. 1959) formulou o conceito de interseccionalidade, destacando como raça, gênero, classe e outras categorias se interligam para produzir desigualdade social. Sua pesquisa sobre violência, direitos civis e políticas públicas evidencia lacunas na legislação que não consideram a multiplicidade de opressões. Crenshaw contribuiu decisivamente para teorias feministas, jurídicas e sociológicas contemporâneas.




Perguntas e respostas sociólogas do século XX e XXI


Parte 1 – América Latina

1. Heleieth Saffioti

Pergunta: Como a “tríplice opressão” articula gênero, classe e raça ajuda a compreender a exploração das mulheres na sociedade capitalista?

Resposta: Saffioti interpreta a opressão feminina a partir da articulação entre capitalismo e patriarcado, desenvolvendo o conceito de “dupla exploração da mulher trabalhadora”. Sua análise marxista-feminista demonstra como o sistema econômico depende do trabalho não remunerado e reprodutivo das mulheres, evidenciando que a exploração de gênero, raça e classe é estrutural e interdependente.


2. Marilena Chauí

Pergunta: De que maneira a análise da ideologia e do autoritarismo influencia a compreensão das desigualdades sociais no Brasil?

Resposta: Chauí analisa o papel da ideologia na manutenção das estruturas de poder, mostrando como o patriarcado é legitimado por discursos culturais e religiosos. Ela destaca a importância de compreender a cultura como espaço de disputa simbólica e política, revelando como o autoritarismo se reproduz socialmente.


3. Eva Blay

Pergunta: Como a criação do Núcleo de Estudos da Mulher contribuiu para a institucionalização dos estudos de gênero no Brasil?

Resposta: Eva Blay introduziu a sociologia de gênero no Brasil, fundando o Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero na USP. Sua obra mostra como o espaço urbano e o mercado de trabalho refletem desigualdades entre homens e mulheres, fortalecendo a consolidação dos estudos feministas nas universidades brasileiras.


4. Sueli Carneiro

Pergunta: De que forma a noção de “epistemicídio” evidencia a marginalização do conhecimento produzido por mulheres negras?

Resposta: Sueli Carneiro propõe o conceito de “branquitude como lugar de poder” e denuncia o “epistemicídio” — a exclusão dos saberes negros e femininos dos espaços acadêmicos. Ela defende a valorização do pensamento afrocentrado e feminista, como instrumento de resistência e reconstrução do conhecimento.


5. Lélia Gonzalez

Pergunta: Como o conceito de “amefricanidade” articula raça, gênero e cultura na América Latina?

Resposta: Lélia Gonzalez criou o conceito de “amefricanidade” para unir as experiências afro e latino-americanas, destacando a herança africana na formação cultural e social do continente. Para ela, gênero, raça e cultura são inseparáveis na compreensão das opressões e resistências da mulher negra latino-americana.


6. Gilda de Mello e Souza

Pergunta: De que maneira a moda pode ser entendida como uma linguagem social que expressa desigualdades e valores culturais?

Resposta: Gilda de Mello e Souza interpreta a moda como uma linguagem que expressa distinção social e identidade cultural. Em suas análises sobre o gosto e o estilo, demonstra como o comportamento e a aparência são marcadores de classe e de gênero na sociedade brasileira.


7. Rita Laura Segato

Pergunta: O que significa a “pedagogia da crueldade” e como ela ajuda a analisar a violência de gênero?

Resposta: Segato concebe o patriarcado como um sistema de poder colonial que organiza a violência de gênero. A “pedagogia da crueldade” descreve o processo social que naturaliza e banaliza a violência contra as mulheres, tornando-a parte da lógica política e econômica contemporânea.


8. Elizabeth Souza-Lobo

Pergunta: Como a divisão sexual do trabalho influencia a posição das mulheres no mercado de trabalho e na sociedade?

Resposta: Souza-Lobo estudou o trabalho feminino nas fábricas e evidenciou a divisão sexual do trabalho, que desvaloriza e segrega as mulheres. Sua abordagem marxista-feminista mostra como o capitalismo se sustenta na desigualdade de gênero e na invisibilidade do trabalho reprodutivo.


9. Teresa Caldeira

Pergunta: De que forma a noção de “cidadania periférica” contribui para compreender desigualdades urbanas e violência?

Resposta: Teresa Caldeira analisa a relação entre urbanização, cidadania e violência, mostrando como o medo e a segregação moldam a vida nas cidades. O conceito de “cidadania periférica” descreve as formas pelas quais os moradores das periferias produzem direitos e resistem à exclusão social.


10. María Lugones

Pergunta: Como o conceito de “colonialidade de gênero” relaciona opressões de raça e gênero no contexto latino-americano?

Resposta: María Lugones propõe o conceito de “colonialidade de gênero” para explicar como o colonialismo impôs uma estrutura binária e hierárquica às relações de gênero. Ela defende um feminismo decolonial que valoriza as epistemologias indígenas e afro-latinas.


11. Silvia Rivera Cusicanqui

Pergunta: Como a perspectiva do ch’ixi ajuda a compreender a coexistência de diferentes identidades culturais sem subordinação?

Resposta: Cusicanqui desenvolve a noção de ch’ixi para representar a convivência de elementos culturais distintos — indígenas e ocidentais — sem fusão nem hierarquia. Essa visão propõe uma forma de resistência à homogeneização colonial e valoriza a pluralidade identitária latino-americana.


12. Ana María Fernández

Pergunta: Como a análise psicossociológica contribui para entender as experiências das mulheres em contextos de opressão social?

Resposta: Fernández combina psicanálise e sociologia para compreender as dimensões subjetivas das desigualdades de gênero. Ela mostra como as mulheres internalizam o patriarcado e como o feminismo pode transformar as relações entre o pessoal e o político.


13. Margarita Pisano

Pergunta: De que forma a valorização da experiência feminina reforça o feminismo e a resistência cultural na América Latina?

Resposta: Pisano propõe um feminismo crítico e autônomo, centrado na experiência e na subjetividade das mulheres latino-americanas. Sua obra enfatiza a importância de reconstruir uma cultura de resistência e solidariedade feminina frente às imposições patriarcais e coloniais.


14. Elizabeth Jelin

Pergunta: Como a memória coletiva pode ser usada para compreender as experiências femininas de violência e resistência?

Resposta: Jelin analisa a memória social como espaço político e de disputa simbólica. Ao estudar ditaduras e movimentos feministas, demonstra como as narrativas das mulheres revelam tanto as violências sofridas quanto às estratégias de resistência e reconstrução identitária.


15. Patricia Hill Collins

Pergunta: Como a “matriz de dominação” permite analisar as múltiplas formas de opressão interseccional?

Resposta: Collins formula o conceito de “matriz de dominação” para mostrar como raça, classe, gênero e sexualidade interagem na produção das desigualdades. Sua teoria propõe uma epistemologia do ponto de vista das mulheres negras e articula o conhecimento como prática de libertação.


Parte 2 – África e Diáspora Africana

16. Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí (Nigéria)

Pergunta: Como a “descolonização do gênero” transforma a análise das sociedades africanas?

Resposta: Oyěwùmí argumenta que o gênero é uma construção colonial importada pelo Ocidente. Em The Invention of Women (1997), mostra que nas sociedades iorubás, as relações sociais se baseavam em idade e status, não em gênero. Sua proposta de “descolonização do gênero” busca recuperar epistemologias africanas autônomas, livres das categorias coloniais ocidentais.


17. Amina Mama (Nigéria/Reino Unido)

Pergunta: De que maneira o conceito de “segurança de gênero” aborda os impactos da militarização sobre as mulheres?

Resposta: Amina Mama analisa as conexões entre militarização, colonialismo e gênero. Seu conceito de “segurança de gênero” revela como guerras, autoritarismos e intervenções externas afetam desproporcionalmente as mulheres africanas. Ela propõe políticas feministas que priorizem a paz, a justiça social e a autonomia feminina.


18. Fatou Sow (Senegal)


Pergunta: Como a sociologia do gênero no contexto pós-colonial pode revelar formas de resistência feminina?

Resposta: Fatou Sow examina as dinâmicas familiares, religiosas e econômicas nas sociedades africanas contemporâneas. Mostra como as mulheres resistem às estruturas patriarcais por meio de práticas culturais e comunitárias. Sua abordagem pós-colonial enfatiza a pluralidade das identidades e a necessidade de políticas sensíveis à diversidade africana.




19. Pumla Gqola (África do Sul)

Pergunta: O que significa a “política do corpo feminino” na análise da violência e do patriarcado na África do Sul?

Resposta: Pumla Gqola interpreta o corpo feminino como campo de disputa simbólica e política. Em suas análises sobre a cultura do estupro, denuncia como o corpo da mulher negra é historicamente violentado e controlado. Defende uma “política do corpo” centrada na libertação, na autonomia e na reconfiguração das masculinidades.


20. Nkiru Nzegwu (Nigéria/Canadá)

Pergunta: Como a “filosofia africana do gênero” desafia categorias ocidentais de análise social?

Resposta: Nzegwu propõe uma filosofia africana baseada na reciprocidade e na complementaridade entre os sexos. Ela critica as categorias ocidentais de gênero, que impõem hierarquias ausentes nas culturas africanas. Sua obra valoriza epistemologias locais e defende uma ontologia relacional como base para a igualdade.


21. Oluwakemi Balogun (Nigéria/EUA)

Pergunta: De que forma o feminismo transnacional pode articular experiências culturais e sociais das mulheres africanas?

Resposta: Balogun estuda os concursos de beleza na Nigéria, revelando como esses espaços articulam poder, modernidade e identidade. Suas pesquisas mostram que o feminismo transnacional permite compreender como as mulheres africanas negociam normas globais de feminilidade sem perder suas referências culturais.


22. Grace Bantebya Kyomuhendo (Uganda)

Pergunta: Como metodologias participativas fortalecem o empoderamento feminino em contextos de pobreza?

Resposta: Kyomuhendo utiliza metodologias participativas em suas pesquisas sobre pobreza e desigualdade de gênero. Defende que o envolvimento direto das mulheres nos processos de pesquisa e decisão fortalece sua autonomia, ampliando o impacto das políticas públicas e promovendo justiça social.


23. Ifi Amadiume (Nigéria)

Pergunta: Como o estudo das estruturas matricentristas africanas contribui para uma perspectiva feminista não ocidental?

Resposta: Amadiume, em Male Daughters, Female Husbands (1987), demonstra que sociedades igbo tradicionais possuíam papéis sociais flexíveis e não binários. Sua análise das estruturas matricentristas revela que o patriarcado foi uma imposição colonial, e propõe um feminismo enraizado nas tradições africanas.


24. Chimamanda Ngozi Adichie (Nigéria)

Pergunta: De que maneira a literatura pode ser utilizada como ferramenta para análises sociológicas de gênero e identidade?

Resposta: Adichie utiliza a literatura como forma de análise social, abordando gênero, raça e colonialismo. Em obras como Americanah e We Should All Be Feminists, denuncia desigualdades e propõe uma visão interseccional do feminismo africano contemporâneo, que une arte, política e sociologia.



25. Fátima Hassan (África do Sul)

Pergunta: Como a interseção entre saúde, violência e desigualdade estrutural influencia políticas de gênero?

Resposta: Fatima Hassan investiga os impactos do HIV/AIDS e das políticas de saúde na vida das mulheres africanas. Sua perspectiva mostra como a desigualdade estrutural, o racismo e a pobreza agravam as vulnerabilidades de gênero. Defende uma abordagem interseccional na formulação de políticas públicas de saúde e direitos humanos.


Parte 3 – Europa

26. Simone de Beauvoir (França)

Pergunta: Como o conceito de “Outro” ajuda a compreender a construção social da opressão feminina?

Resposta: Beauvoir, em O Segundo Sexo (1949), argumenta que “ninguém nasce mulher, torna-se mulher”. O conceito de “Outro” revela que a mulher é historicamente definida em relação ao homem, construindo-se socialmente como subordinada. Sua análise inaugura a sociologia de gênero, mostrando que a opressão feminina é resultado de processos sociais e históricos.


27. Dorothy Smith (Canadá)

Pergunta: De que maneira a perspectiva do “ponto de vista da mulher” oferece uma epistemologia alternativa à sociologia tradicional?

Resposta: Smith desenvolve a “sociologia a partir do ponto de vista da mulher”, criticando o viés masculino na produção do conhecimento sociológico. Ela propõe que a experiência cotidiana das mulheres seja central na análise social, criando uma epistemologia feminista que reconecta teoria, prática e política.


28. Sylvia Walby (Reino Unido)

Pergunta: Como o conceito de “patriarcado estruturado” explica a reprodução das desigualdades de gênero nas instituições?

Resposta: Walby define o patriarcado como um sistema estruturado que opera através de seis instituições: família, trabalho, Estado, violência, cultura e mídia. Seu conceito explica como desigualdades de gênero são reproduzidas sistematicamente, inclusive em contextos de modernidade e globalização.


29. Nancy Fraser (EUA/Alemanha)

Pergunta: De que forma a análise de redistribuição e reconhecimento contribui para entender injustiças sociais e econômicas?

Resposta: Fraser articula justiça social, redistribuição econômica e reconhecimento cultural. Ela argumenta que políticas feministas devem combinar medidas de equidade material com valorização das identidades e culturas marginalizadas, abordando simultaneamente exploração de classe e opressão simbólica.


30. Ann Oakley (Reino Unido)

Pergunta: Como a investigação da maternidade e da divisão sexual do trabalho amplia a compreensão das relações de gênero?

Resposta: Oakley, em The Sociology of Housework (1974), analisa o trabalho doméstico feminino e sua invisibilidade social. Sua investigação revela como a divisão sexual do trabalho perpetua desigualdades e mostra a necessidade de metodologias feministas para estudar relações de gênero na vida cotidiana.




Parte 4 – América do Norte

31. Patricia Hill Collins (EUA)

Pergunta: Como a “matriz de dominação” permite compreender a intersecção de raça, gênero e classe na experiência das mulheres negras?

Resposta: Collins desenvolveu o conceito de “matriz de dominação” em Black Feminist Thought (1990), mostrando como raça, gênero, classe e sexualidade se entrelaçam nas experiências das mulheres negras. Sua teoria propõe uma epistemologia do ponto de vista negro, valorizando o saber produzido pela vivência e resistência das mulheres afro-americanas.


32. bell hooks (EUA)

Pergunta: De que maneira o conceito de “amor como prática política” contribui para análises sociológicas sobre poder e desigualdade?

Resposta: bell hooks une feminismo, antirracismo e pedagogia crítica, defendendo o amor como prática política e libertadora. Em obras como Ain’t I a Woman? e All About Love, questiona a dominação patriarcal e propõe uma ética do cuidado e da comunidade como estratégia de transformação social.


33. Angela Davis (EUA)

Pergunta: Como a interseção de racismo, capitalismo e gênero influencia a opressão estrutural das mulheres negras?

Resposta: Davis, em Mulheres, Raça e Classe (1981), analisa como racismo, capitalismo e patriarcado se combinam para produzir a opressão estrutural das mulheres negras. Ela defende a abolição das prisões, políticas públicas inclusivas e a luta coletiva por justiça social.


34. Dorothy E. Roberts (EUA)

Pergunta: De que forma a sociologia da biopolítica ajuda a compreender o impacto do racismo científico sobre mulheres e comunidades marginalizadas?

Resposta: Roberts trabalha com biopolítica e reprodução, mostrando como políticas públicas e práticas médicas controlam corpos de mulheres negras. Em Killing the Black Body, denuncia o racismo científico, desigualdades reprodutivas e propõe uma abordagem ética e interseccional em políticas de saúde.


35. Kimberlé Crenshaw (EUA)

Pergunta: Como a interseccionalidade permite analisar lacunas em políticas públicas e legislações que não consideram múltiplas formas de opressão?

Resposta: Crenshaw é a criadora do conceito de interseccionalidade, que demonstra como gênero, raça e classe se combinam na exclusão social. Sua teoria evidencia falhas nas leis e políticas públicas que ignoram múltiplas formas de discriminação, propondo uma abordagem inclusiva e interseccional.


36. Dorothy Smith (Canadá)

Pergunta: Como a sociologia feminista institucional contribui para compreender estruturas sociais a partir da experiência das mulheres?

Resposta: Smith introduz a sociologia feminista institucional, defendendo que o conhecimento social deve partir da experiência das mulheres. Sua perspectiva permite entender como estruturas burocráticas e institucionais moldam a vida cotidiana, conectando teoria, prática e política.




37. Nancy Chodorow (EUA)


Pergunta: Como a psicanálise aplicada à sociologia ajuda a analisar a formação da identidade de gênero?

Resposta: Chodorow aplica a psicanálise para entender a socialização de gênero e a maternidade. Em suas obras, demonstra que a divisão sexual do cuidado contribui para a reprodução do patriarcado, evidenciando padrões psicológicos e sociais que estruturam relações de poder.


38. Arlie Hochschild (EUA)


Pergunta: Qual a relevância do conceito de “trabalho emocional” na análise das desigualdades de gênero?

Resposta: Hochschild introduz o conceito de “trabalho emocional”, que descreve como mulheres gerenciam sentimentos para sustentar relações familiares e profissionais. Em The Second Shift, analisa a sobrecarga feminina causada pela dupla jornada de trabalho doméstico e remunerado.


39. Joan Acker (EUA)


Pergunta: Como as “organizações generificadas” contribuem para compreender desigualdades de gênero no trabalho?

Resposta: Acker propõe o conceito de “organizações generificadas”, mostrando que instituições de trabalho são estruturadas a partir de normas masculinas. Sua análise revela que desigualdades de gênero estão embutidas nas regras, processos e culturas organizacionais.


40. Judith Stacey (EUA)


Pergunta: Como a sociologia pós-feminista amplia a compreensão sobre diversidade familiar e identidades de gênero?

Resposta: Stacey pesquisa família, gênero e sexualidade, criticando modelos normativos de parentesco e papéis de gênero. Sua sociologia pós-feminista reconhece a diversidade das famílias contemporâneas e promove uma visão inclusiva e plural das relações sociais.


Conclusão

As quarenta sociólogas apresentadas neste estudo demonstram a diversidade e a profundidade do pensamento crítico feminino nos séculos XX e XXI. Seus trabalhos abrangem múltiplos continentes, tradições teóricas e experiências sociais, oferecendo perspectivas únicas sobre gênero, raça, classe e colonialidade.

Na América Latina, autoras como Heleieth Saffioti e Lélia Gonzalez mostraram como a análise de gênero se articula à luta contra a opressão econômica e racial. Na África e na diáspora africana, Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí e Amina Mama apresentaram epistemologias descoloniais e feministas que desafiam categorias ocidentais. Na Europa, Beauvoir, Oakley, Butler e Walby propuseram conceitos fundamentais sobre patriarcado, performatividade e interseccionalidade. Nos Estados Unidos, Patricia Hill Collins, bell hooks, Angela Davis, Dorothy Roberts e Kimberlé Crenshaw avançaram teorias da interseccionalidade, epistemologia negra e crítica social.


A análise conjunta dessas autoras evidencia que a sociologia contemporânea se enriquece com perspectivas que valorizam experiências marginalizadas, promovem justiça social e estimulam reflexões críticas sobre estruturas de poder. O reconhecimento dessas contribuições é essencial para construir um conhecimento social mais inclusivo, plural e transformador.


Referências Bibliográficas (ABNT 2023)


BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Paris: Gallimard, 1949.


SAFFIOTI, Heleieth I. B. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. São Paulo: Expressão Popular, 2013.


GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.


BLAY, Eva. O feminismo e a construção da cidadania. São Paulo: UNESP, 2001.


CARNEIRO, Sueli. O lugar da mulher negra. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 1995.


SEGATO, Rita Laura. La guerra contra las mujeres. Buenos Aires: Prometeo, 2013.


LUGONES, María. Colonialidad del género. Buenos Aires: Traficantes de Sueños, 2008.


CUSICANQUI, Silvia Rivera. Ch’ixi: Epistemologías de la diferencia. La Paz: Fondo Editorial, 2010.


COLLINS, Patricia Hill. Pensamento feminista negro. São Paulo: Boitempo, 2019.


CRENSHAW, Kimberlé. Demarginalizing the Intersection of Race and Sex. University of Chicago Legal Forum, 1989.


BUTLER, Judith. Gender Trouble. New York: Routledge, 1990.


WALBY, Sylvia. Theorizing Patriarchy. Oxford: Blackwell, 1990.


OAKLEY, Ann. Sex, Gender and Society. London: Temple Smith, 1972.


HOOKS, bell. Ain’t I a Woman? Black Women and Feminism. Boston: South End Press, 1981.


DAVIS, Angela. Mulher, Raça e Classe. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983.


ROBERTS, Dorothy E. Fatal Invention: How Science, Politics, and Big Business Re-create Race in the Twenty-First Century. New York: New Press, 2011.


MAMA, Amina. Beyond the Masks: Race, Gender and Subjectivity. London: Routledge, 1995.


FRASER, Nancy. Redistribuição ou reconhecimento? Revista Lua Nova, n. 58, 2003.


YUVAL-DAVIS, Nira. The Politics of Belonging. London: Sage, 2011.

sábado, 18 de outubro de 2025

Diálogo Freud e Marx na Crítica à Reprodução Social Capitalista

 O presente estudo sobre: Diálogo Freud e Marx na Crítica à Reprodução Social Capitalista, tem como objetivo integrar Marx e Freud, a metodologia empregada baseia-se na pesquisa bibliográfica interpretação e análise crítica do materialismo histórico de Karl Marx e a psicanálise de Sigmund Freud. Conclusão: Articula-se Marx e Freud, mostrando como o capitalismo molda o inconsciente coletivo e a subjetividade. Sua análise evidencia que a emancipação humana depende da transformação social e psíquica. Nildo Viana argumenta que a libertação plena do indivíduo depende da mudança das condições sociais de exploração. Ao mesmo tempo, é necessária a transformação do psiquismo, superando a repressão e alienação impostas pela sociedade.


Palavras-chave: Coletivo; Crítica ao Capitalismo; Freud; Inconsciente; Karl Marx; Sigmund 


Introdução

     A relação entre marxismo e psicanálise constitui um campo fértil e complexo de debates desde meados do século XX, envolvendo nomes como Wilhelm Reich, Erich Fromm e Herbert Marcuse, notadamente ligados à Escola de Frankfurt. O desafio central é integrar a crítica da economia política, focada na estrutura e nas relações de produção (Marx), com a investigação da subjetividade e do inconsciente (Freud), sem cair em reducionismos ou ecletismos superficiais.

   Nesse panorama, a obra do sociólogo Nildo Viana emerge como uma tentativa de radicalização do freudismo-marxismo (VIANA, 2008), buscando um diálogo que mantenha a coerência metodológica do materialismo histórico-dialético. Viana (2008) propõe analisar o universo psíquico não como uma esfera isolada e naturalizada, mas como um elemento fundamental para a reprodução do capital, atravessado pelas contradições de classe e pela sociabilidade burguesa.

     O objetivo deste estudo é apresentar os principais pontos da contribuição de Nildo Viana nesse diálogo, destacando sua crítica às "ficções freudianas" (como o instinto de morte e o Complexo de Édipo enquanto categorias universais e a históricas) e sua reelaboração de conceitos psicanalíticos sob a ótica do materialismo histórico, com destaque para a noção de inconsciente coletivo (VIANA, 2002). A metodologia empregada baseia-se na pesquisa bibliográfica e na análise crítica dos principais textos do autor sobre o tema e Karl Marx e Sigmund Freud.

     A sequência dos conceitos iniciamos com: O Marxismo Autêntico e a Psicanálise: Rejeitando os Pseudomarxismos: Freud analisa a civilização como um sistema que reprime instintos humanos, principalmente sexuais e agressivos, gerando mal-estar e sofrimento psicológico. 

       O superego e a internalização de normas sociais criam culpa e autocensura, enquanto a cultura regula comportamentos e mediatiza a convivência social. A tensão entre liberdade individual e segurança coletiva é constante, e o progresso civilizatório sempre traz limitações à satisfação dos desejos. 

    Amor, moral e religião funcionam como instrumentos de controle e canalização de impulsos. Assim, a subjetividade humana é inseparável das condições históricas e sociais em que se insere.

      Em seguida a Psicanálise de Sigmund Freud: Sigmund Freud analisa a civilização como um sistema que reprime instintos naturais, especialmente sexuais e agressivos, gerando mal-estar e sofrimento psicológico. 

     O superego e a internalização de normas sociais criam culpa e autocensura, enquanto a cultura regula desejos e comportamentos em prol da ordem coletiva. A tensão entre liberdade individual e segurança social é constante, assim como a transformação da agressividade e do amor em formas socialmente aceitáveis. 

     O progresso civilizatório traz benefícios materiais, mas sempre acompanhado de frustração psíquica. Freud evidencia que a subjetividade humana é inseparável das condições históricas e sociais.

      E por fim a terceira parte Karl Marx e as Contradições do Capitalismo: Karl Marx, segundo Nildo Viana, analisa o capitalismo como um sistema histórico marcado por desigualdade, exploração e alienação, em que o trabalho criativo é transformado em mercadoria. A mais-valia evidencia a exploração econômica, enquanto a luta de classes impulsiona a transformação social. 

     A ideologia dominante máscara a opressão, e a consciência crítica é essencial para a emancipação humana. A integração com a psicanálise mostra que a alienação atinge também a subjetividade, os desejos e comportamento. A superação do capitalismo exige ação coletiva, educação e reflexão histórica.



1 O Marxismo Autêntico e a Psicanálise: Rejeitando os Pseudomarxismos

      Viana (2008) parte de uma leitura rigorosa de Marx, focada na categoria de totalidade, na centralidade da produção e na luta de classes como motor da história. Sua crítica visa as tentativas de conciliação que desviam tanto do materialismo histórico quanto da própria psicanálise em seus aspectos mais radicais. 

     Para ele, as concepções pseudomarxistas frequentemente incorreram em um mecanicismo que subestimava a importância da subjetividade e do universo psíquico na reprodução das relações sociais.

     Em Universo psíquico e reprodução do capital: ensaios freudistas-marxistas, Nildo Viana propõe uma leitura crítica que integra Marx e Freud para compreender como o capitalismo molda tanto a estrutura social quanto a subjetividade humana. 

     A obra analisa a relação entre inconsciente, ideologia e reprodução social, destacando o papel do psiquismo na manutenção do sistema capitalista. Trata-se de uma contribuição original à teoria crítica e à sociologia contemporânea.


Articulação entre psicanálise e marxismo

     A sociedade capitalista estrutura-se sobre uma lógica competitiva que ultrapassa o campo econômico e alcança as dimensões simbólicas e subjetivas da vida social. A busca incessante por prestígio, reconhecimento e ascensão revela as hierarquias que moldam as relações humanas. Nesse contexto, o status torna-se um instrumento de distinção e de reprodução das desigualdades.

A competição para ficar no cume da pirâmide social revelada pela busca de status, luta por ascensão social etc. Esta competição social está presente no conjunto das relações sociais capitalistas (VIANA, 2008, p.23).

    A competição social é expressão da própria dinâmica do capitalismo, que transforma indivíduos em rivais na corrida pelo topo da pirâmide. A luta por status, longe de ser apenas pessoal, é parte de um sistema que naturaliza a desigualdade. Romper com essa lógica exige repensar os valores que sustentam a ordem social vigente.


Inconsciente e ideologia

      A partir do diálogo entre Marx e Freud, Viana propõe compreender o ser humano como resultado da interação entre dimensões psíquicas e sociais. Essa abordagem revela que a subjetividade é moldada tanto por impulsos inconscientes quanto pelas estruturas históricas do capitalismo.

O ser humano, assim, é um ser determinado, movido pelo conflito entre duas forças dominantes em seu aparelho psíquico, ou seja, pelas forças inconscientes e pelas forças sociais. (VIANA, 2008, p.47).

    Para Viana, a integração entre Freud e Marx permite desvelar como o conflito interior reflete as contradições sociais. Assim, a emancipação humana exige transformar não apenas a economia, mas também o próprio inconsciente socialmente condicionado.


Reprodução do capital e subjetividade

      Ao relacionar Marx e Freud, Viana evidencia que o trabalho e a cooperação não são apenas categorias econômicas, mas também expressões do inconsciente humano. O vínculo social, portanto, é simultaneamente uma necessidade material e psíquica.

(...) os seres humanos não realizam o trabalho individualmente e sim coletivamente, por meio da cooperação. Essa cooperação, está associação com outros seres humanos, torna-se também uma necessidade humana - não apenas do ponto de vista da sobrevivência, mas também do ponto de vista psíquico. (VIANA, 2008, p. 62).

     Sob essa perspectiva, a alienação do trabalho capitalista rompe tanto a solidariedade coletiva quanto o equilíbrio psíquico do sujeito. Assim, a libertação humana implica restaurar a integração entre o social e o inconsciente.


Alienação e desejo

     A citação de Viana revela a convergência entre Freud e Marx ao mostrar que as emoções humanas emergem das relações sociais. O sujeito só se reconhece e se constitui efetivamente na presença do outro e dentro de um contexto histórico.

(...) do ciúme, do medo, da inveja, do amor fraterno, do remorso, pois estes só podem existir após o reconhecimento do outro, ou seja, num contexto social. (VIANA, 2008, p. 89).

      Assim, os sentimentos não são apenas expressões individuais, mas produtos das condições sociais e inconscientes. Para Marx e Freud, compreender o homem é compreender, ao mesmo tempo, sua estrutura psíquica e o mundo social que o forma.


Emancipação e crítica da razão instrumental

     A reflexão de Viana articula as teorias de Freud e Marx ao apontar que a verdadeira libertação do indivíduo exige tanto uma transformação social quanto psíquica. O sujeito é moldado por estruturas externas e internas que o condicionam à dominação. Sob a ótica marxista, a emancipação implica superar as condições materiais de exploração; sob a ótica freudiana, exige libertar-se das repressões inconscientes impostas pela cultura. Assim, para Viana, a liberdade plena só ocorre quando o indivíduo rompe com as amarras sociais e psíquicas que sustentam o capitalismo e sua ideologia.

      Por outro lado, Viana (2008) critica o biologismo e o pansexualismo presentes em Freud que resultam na naturalização de fenômenos sociais e históricos. Ao transformar a repressão em um dado universal da civilização (o mal-estar na cultura), e não um produto das relações de classe e da sociabilidade capitalista, Freud (1975) acaba por produzir "ficções freudianas" que ocultam a determinação histórica do psiquismo.


Inconsciente Coletivo e Reprodução do Capital

A principal contribuição de Viana para o diálogo freudano-marxista reside na reelaboração do conceito de inconsciente. Ele propõe a categoria de inconsciente coletivo como o conjunto das "necessidades-potencialidades humanas reprimidas numa coletividade" (VIANA, 2002). Essa repressão não é vista como um imperativo biológico ou uma necessidade da "civilização" em geral, mas como um resultado direto da organização social capitalista, que exige a adaptação da subjetividade aos imperativos da produção e da acumulação.

A repressão, nessa perspectiva, é um mecanismo social que busca adequar os indivíduos ao "modo de pensar burguês" e à reprodução ideológica da sociedade. O inconsciente, então, não é apenas um depósito de pulsões e traumas individuais, mas um reservatório de aspirações e potências humanas – como o desejo de liberdade, a criatividade e a capacidade de amar – que são sistematicamente esmagadas pela sociabilidade capitalista e pelo processo de coisificação (VIANA, 2008).

Ao criticar a "abjuração dos sentimentos" (VIANA, 2008) em Freud, Viana resgata a dimensão do desejo e dos sentimentos como manifestações de necessidades humanas que se opõem à lógica utilitarista e instrumental do capital. A neurose e as patologias psíquicas contemporâneas são lidas, em última instância, como expressões do conflito entre as potencialidades humanas e as exigências da reprodução social capitalista.


A Resistência e o Caráter Teleológico da Consciência

A crítica de Viana (2008) não se limita à dimensão patológica da sociedade, mas aponta para a resistência. As fantasias, os sonhos e as utopias são compreendidos como manifestações que "resistem à repressão" e "voltam ao consciente", constituindo-se em elementos de negação prático-crítica à sociabilidade restritiva.

Ao enfatizar o caráter social e histórico da constituição da consciência, Viana (2008) reintroduz a possibilidade de superação. A consciência, em sua dimensão teleológica (voltada para a transformação), pode contribuir para a superação das condições dadas, impulsionada pelas necessidades-potencialidades que o inconsciente coletivo expressa.

      Nildo Viana é sociólogo e filósofo brasileiro, reconhecido por suas análises que articulam psicanálise e teoria social marxista. Em Inconsciente coletivo e materialismo histórico (2002), o autor propõe uma reflexão inovadora sobre como a subjetividade humana se estrutura em relação às condições sociais e históricas. 

     A obra investiga a dimensão psíquica da vida social, mostrando que o inconsciente coletivo é profundamente influenciado pelas relações de produção e pela ideologia dominante. Viana contribui para a compreensão de como o psiquismo e a sociedade se moldam mutuamente, oferecendo uma leitura crítica das estruturas sociais. Assim, o livro torna-se referência fundamental para estudos freudista-marxistas e para a teoria crítica contemporânea.


Inconsciente coletivo e sociedade

     Viana (2002) destaca que o inconsciente coletivo não se reduz à soma das experiências individuais, mas é moldado historicamente pelas relações sociais. Essa perspectiva evidencia a interdependência entre subjetividade e estrutura social.

“O inconsciente coletivo não é apenas um acúmulo de experiências individuais, mas um produto histórico das relações sociais” (VIANA, 2002).

     Compreender o inconsciente coletivo exige analisar os contextos históricos e sociais que o constituem. O psiquismo humano reflete e reproduz, ao mesmo tempo, as dinâmicas e contradições da sociedade.


Relação entre psique e materialismo histórico

    Viana (2002) enfatiza que a compreensão da psique humana não pode se separar das condições materiais e sociais em que o indivíduo está inserido. A vida social e econômica molda profundamente o funcionamento do inconsciente.

“A psique humana deve ser compreendida à luz das estruturas materiais que condicionam a vida social” (VIANA, 2002).

    Portanto, a análise do psiquismo exige considerar as estruturas materiais que influenciam pensamentos, desejos e comportamentos. A subjetividade humana reflete as condições históricas e sociais de sua existência.


Ideologia e reprodução social

      Para Viana (2002) ressalta que o inconsciente coletivo não é neutro, sendo marcado pelas ideologias dominantes que moldam valores e comportamentos. Dessa forma, a psique individual e coletiva contribui para a manutenção da ordem social vigente.

“As ideologias dominantes se inscrevem no inconsciente coletivo, perpetuando a ordem social existente” (VIANA, 2002).

      A internalização das ideologias perpetua as estruturas de poder e desigualdade. Compreender essa dinâmica é essencial para analisar como a sociedade reproduz suas próprias hierarquias.


Conflito e transformação social

   Viana (2002) aponta que o inconsciente coletivo não é homogêneo, pois carrega contradições que refletem tensões sociais e históricas. Essas contradições oferecem potenciais caminhos para a transformação social.

“O inconsciente coletivo também contém os germes de contradição, que podem impulsionar a mudança histórica” (VIANA, 2002).

    Portanto, mesmo moldado pelas estruturas existentes, o inconsciente coletivo pode ser um motor de mudança histórica. Reconhecer esses elementos contraditórios é fundamental para compreender a dinâmica da transformação social.


Emancipação humana

    A emancipação humana depende do reconhecimento das forças sociais que condicionam a subjetividade individual. A consciência crítica é, portanto, um passo fundamental para a liberdade.

“A emancipação só é possível quando o sujeito toma consciência das determinações sociais que moldam sua subjetividade” (VIANA, 2002).

    Romper com as determinações sociais internalizadas permite ao sujeito agir de forma autônoma e transformar tanto sua vida quanto a sociedade. A libertação exige reflexão sobre as estruturas que moldam pensamentos e comportamentos.




2 Psicanálise de Sigmund Freud

    Sigmund Freud (1856–1939) foi médico neurologista e fundador da psicanálise, desenvolvendo teorias revolucionárias sobre o inconsciente, os mecanismos de defesa e a formação da subjetividade humana. Ao longo de sua obra, Freud buscou compreender as tensões entre desejos individuais e normas sociais. 

      Em O mal-estar na civilização (1975), incluído na Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas, v. XXI, o autor analisa como a civilização impõe restrições aos instintos humanos, gerando conflitos entre o desejo de satisfação pessoal e a necessidade de conformidade social. A obra discute a origem da angústia, da culpa e do sofrimento psicológico, estabelecendo conexões entre a psicologia individual e os condicionamentos culturais e históricos.

    Sigmund Freud, o pai da psicanálise, desenvolveu uma teoria complexa sobre a mente humana, baseada em forças inconscientes que determinam pensamentos e comportamentos. 

Para ele, dois impulsos fundamentais movem o ser humano: o instinto de vida (Eros), ligado ao prazer, à sexualidade e à preservação, e o instinto de morte (Thanatos), relacionado à destruição e à agressividade. Esses impulsos coexistem e se inter-relacionam, formando o núcleo das tensões psíquicas. 

Freud também dividiu a mente em três instâncias: o id, que representa os desejos instintivos e inconscientes; o ego, que é o eu consciente, responsável por equilibrar os impulsos do id com as exigências da realidade; e o superego, formado pelas normas morais e sociais internalizadas, que funcionam como uma censura ou ideal de conduta. Assim, a personalidade humana resulta do conflito constante entre desejo, razão e moral.


Conflito entre instintos e civilização

     Freud argumenta que o ser humano possui instintos naturais, sobretudo sexuais e agressivos, que são reprimidos pela civilização. Essa repressão é necessária para que haja convivência social, mas gera tensão e sofrimento psicológico. O indivíduo, portanto, vive um constante conflito entre o desejo de satisfação pessoal e a necessidade de adaptação às normas coletivas.


Função da civilização

     A civilização surge como um mecanismo para controlar impulsos individuais e garantir segurança e ordem social. Ao organizar a vida coletiva, a cultura impõe limites, regras e proibições que moldam o comportamento humano. No entanto, esse controle tem um preço: a limitação da liberdade e o surgimento do mal-estar.


Origem do mal-estar

     O mal-estar na civilização tem origem na tensão entre os instintos individuais e as exigências sociais. Freud aponta que, para garantir a sobrevivência e a estabilidade da sociedade, o homem deve renunciar a parte de sua liberdade instintiva, o que provoca frustração e sofrimento.


Superego e internalização das normas

      O superego surge da internalização das normas e valores sociais, funcionando como uma instância psíquica que julga e reprime os desejos do indivíduo. Ele cria sentimentos de culpa e autocensura sempre que os impulsos instintivos entram em conflito com as regras da civilização.


Culpa e repressão

      A repressão é central para a manutenção da ordem social. Ao reprimir desejos instintivos, o indivíduo desenvolve sentimentos de culpa, que se tornam mecanismos internos de controle. Freud observa que a culpa não é apenas moral, mas também psíquica, surgindo da tensão entre instinto e normas sociais.


Renúncia aos instintos

     A civilização exige renúncia contínua a certos impulsos, principalmente agressivos e sexuais. Essa renúncia é necessária para a cooperação e a convivência social, mas causa insatisfação, ansiedade e sofrimento. A repressão desses instintos é vista como um mal necessário para o progresso coletivo.


Papel da cultura

     A cultura organiza e regula a vida social, moldando desejos e comportamentos. Ela funciona como mediadora entre os instintos humanos e as exigências da sociedade, permitindo segurança, ordem e desenvolvimento coletivo. No entanto, também é fonte de mal-estar, pois impõe limitações à liberdade individual.


Tensão entre liberdade e segurança

      Freud destaca a dicotomia entre o desejo humano por liberdade plena e a necessidade de segurança social. A civilização limita a expressão dos instintos, mas garante proteção contra o caos e a violência, criando um equilíbrio instável entre prazer e restrição.




Amor e agressividade

     O autor analisa que a civilização tenta transformar a agressividade instintiva em formas socialmente aceitáveis de comportamento. O amor, a moral e a religião são instrumentos de controle, regulando relações humanas e canalizando impulsos que, se liberados, poderiam gerar conflitos e destruição.


Religião e moralidade

    A religião e a moralidade são mecanismos de regulação do comportamento humano, internalizando normas sociais e controlando instintos. Elas contribuem para o mal-estar, pois reprimem desejos naturais, mas também são essenciais para a coesão social e a estabilidade cultural.


Progresso e sofrimento

      Freud reconhece que o avanço da civilização traz benefícios como segurança, organização e progresso material. Entretanto, esses ganhos estão sempre acompanhados de sofrimento psicológico decorrente da repressão instintiva. O mal-estar é, portanto, inerente à vida civilizada.


Alienação do indivíduo

     O indivíduo é alienado em relação aos próprios instintos e desejos, vivendo sob regras impostas pela sociedade. A civilização molda a subjetividade, criando conflitos internos que refletem a tensão entre natureza e cultura.


Psicologia e história

     Freud conecta psicologia individual à história social, mostrando que o mal-estar não é apenas pessoal, mas também coletivo. As condições históricas e culturais moldam o comportamento e a experiência psíquica, influenciando sentimentos, pensamentos e ações humanas.


Conflitos universais

     O mal-estar é um fenômeno universal, presente em todas as civilizações. A tensão entre instintos e normas, culpa e repressão, prazer e renúncia é constante, independente do tempo ou espaço, sendo característica fundamental da condição humana.


Reflexão crítica sobre a civilização

      Freud não condena a civilização, mas propõe compreender suas limitações e custos. A análise crítica mostra que o progresso social é acompanhado de sofrimento, e que a liberdade individual é sempre parcial, mediada por regras coletivas.

      Conclusão geral do livro evidencia que a psique humana é inseparável da sociedade, que a civilização molda o inconsciente e que o mal-estar é consequência inevitável das restrições impostas à satisfação dos instintos. A obra de Freud oferece ferramentas para compreender os conflitos internos do sujeito e a complexa relação entre indivíduo e cultura.



3 Karl Marx e as Contradições do Capitalismo

     Nildo Viana, reconhecido por suas análises críticas da sociedade contemporânea e pelo diálogo entre Marx e Freud. Em Karl Marx: a crítica desapiedada do existente (2017), o autor apresenta uma interpretação detalhada da obra de Marx, destacando sua capacidade de analisar e denunciar as contradições do capitalismo. 

     O livro examina conceitos centrais como trabalho, exploração, alienação e luta de classes, mostrando como Marx questiona a ordem social e econômica vigente. Viana enfatiza a relevância do pensamento marxista para compreender os processos históricos, as relações de poder e as desigualdades estruturais. A obra constitui uma leitura acessível e crítica, voltada tanto para estudiosos quanto para leitores interessados em teoria social.


Crítica ao capitalismo

    Viana apresenta Marx como um crítico implacável do capitalismo, destacando sua capacidade de revelar contradições estruturais no modo de produção capitalista. O sistema é analisado como fonte de desigualdade, exploração e alienação.


Trabalho como essência humana

    O trabalho é central na análise marxista. Marx argumenta que o ser humano se realiza plenamente por meio do trabalho criativo, mas o capitalismo transforma o trabalho em mercadoria, alienando o trabalhador de sua essência.




Alienação

    A alienação é um conceito-chave. O trabalhador se torna estranho ao produto do próprio trabalho, ao processo produtivo, a si mesmo e aos outros, gerando desumanização e perda de autonomia.


Mais-valia e exploração

     Marx descreve a exploração do trabalhador por meio da mais-valia: a diferença entre o valor produzido e o salário pago é apropriada pelo capitalista, mantendo a desigualdade econômica.

Luta de classes

    A história é vista como história de lutas de classes. A tensão entre capitalistas e trabalhadores é motor da transformação social, sendo a consciência de classe um elemento crucial para a emancipação.


Ideologia e consciência

    Viana destaca que Marx critica a ideologia dominante, que mascara as relações de exploração e naturaliza a desigualdade. A consciência crítica é necessária para compreender e superar a opressão social.


Materialismo histórico

     A sociedade é entendida a partir das condições materiais de produção. As relações sociais e políticas derivam da organização econômica, influenciando cultura, religião e instituições.


Estrutura e superestrutura

    A base econômica (estrutura) determina, em grande medida, a superestrutura social, que inclui política, cultura e leis. A crítica de Marx evidencia como a ideologia sustenta a dominação.


Acumulação de capital

     A concentração de riqueza e poder nas mãos de poucos é apresentada como característica inevitável do capitalismo, levando à precarização do trabalho e à instabilidade social.


Crítica à mercadoria

     A mercadoria não é apenas um objeto de troca, mas também um instrumento de alienação, pois transforma relações humanas em relações entre coisas.


Dinâmica histórica

      Viana ressalta que Marx vê o capitalismo como um sistema histórico, não natural, sujeito a crises internas que podem gerar transformações sociais significativas.


Desigualdade social

    O capitalismo produz desigualdade estrutural. A apropriação privada dos meios de produção garante privilégios a uma classe dominante, enquanto a maioria permanece explorada.


Relação trabalho-capital

    O conflito entre trabalho e capital é permanente. Marx analisa como o capital busca maximizar lucro e produtividade, muitas vezes às custas da dignidade e do bem-estar do trabalhador.


Emancipação humana

      A superação do capitalismo requer a transformação das relações sociais e a eliminação da exploração. A emancipação envolve a libertação do trabalhador da alienação e da opressão estrutural.


Crítica à moral burguesa

    Marx, segundo Viana, demonstra como valores e normas da burguesia legitimam a dominação e obscurecem a realidade das relações de exploração.


Educação e consciência crítica

     A conscientização política e social é fundamental. O trabalhador deve entender sua posição no sistema para agir coletivamente e transformar a sociedade.


Atualidade do pensamento marxista

    Viana destaca que a análise marxista continua relevante para compreender crises econômicas, desigualdades globais e mecanismos de exploração contemporâneos.


Transformação social

    A mudança não é espontânea. Exige organização, luta coletiva e compreensão das contradições do sistema. O socialismo é apresentado como alternativa para a superação da exploração.


Produção e reprodução social

     A forma de produzir condiciona a forma de viver, pensar e organizar a sociedade. O capitalismo molda a vida social e psíquica, reproduzindo desigualdades e alienação.


Integração com crítica freudo-marxista

     Viana também articula Marx com Freud, mostrando que a opressão e alienação não se restringem ao econômico, mas afetam a subjetividade, os desejos e o comportamento humano.

     O livro de Viana evidencia que Marx concebia a sociedade como um sistema de relações sociais centrado na produção material, em que o trabalho é a principal força geradora de valor e de contradições sociais. 

     A exploração do trabalho e a acumulação de capital aparecem como elementos estruturais do capitalismo, reforçando desigualdades e alienando os sujeitos. Viana destaca a crítica marxista à ideologia dominante, que naturaliza a dominação e obscurece a compreensão das condições históricas. 

    A alienação do trabalhador não se restringe ao econômico, mas também atinge a dimensão psíquica e social. A luta de classes é apresentada como motor da história e possibilidade de transformação social. Marx, segundo Viana, oferece ferramentas para analisar criticamente a realidade e propor alternativas emancipatórias. 

   O autor também discute a atualidade do pensamento marxista, mostrando sua aplicabilidade para compreender crises contemporâneas e desigualdades globais. A obra enfatiza a necessidade de consciência crítica, reflexão histórica e ação coletiva. Por fim, Viana posiciona Marx como um pensador indispensável para a crítica da sociedade capitalista e para a busca da emancipação humana.


Conclusão

   A obra de Nildo Viana, no diálogo com Karl Marx e Sigmund Freud, oferece uma perspectiva fundamental para o freudismo-marxismo contemporâneo. Sua análise supera as armadilhas do mecanicismo marxista e do biologismo freudiano, propondo uma síntese que historiciza o universo psíquico.

    Ao conceber o inconsciente coletivo como o locus das potencialidades humanas reprimidas pelo capital, Viana (2002, 2008) demonstra a importância de uma crítica que se estende da base econômica à superestrutura ideológica e à própria subjetividade. A articulação entre a crítica radical do capitalismo e a psicanálise ressignificada permite uma compreensão mais profunda da reprodução social e, simultaneamente, da persistente capacidade de resistência e transformação humana.

      A contribuição de Viana reforça a tese de que a libertação humana plena exige não apenas a superação das relações de produção capitalistas, mas também a emancipação do psiquismo de todas as formas de repressão e alienação impostas pela sociabilidade burguesa.

      Para Freud e Marx apresentam perspectivas distintas, mas complementares, sobre a condição humana e as tensões sociais. Freud focaliza o indivíduo, analisando o conflito entre instintos naturais e normas culturais, destacando o papel da repressão, culpa e mal-estar na formação da subjetividade. 

     Marx, por sua vez, aborda a sociedade como um todo, identificando contradições estruturais do capitalismo, exploração do trabalho e alienação como fontes de sofrimento coletivo. Enquanto Freud enfatiza a dimensão psíquica e a internalização de normas pelo superego, Marx destaca a dimensão material e histórica, mostrando como a economia e as relações de produção moldam a vida social. 

     Ambos reconhecem limites à liberdade: Freud na esfera individual, através da repressão instintiva; Marx na esfera social, pela opressão econômica e ideológica. Freud mostra como a civilização impõe renúncia aos desejos, produzindo angústia e culpa; Marx revela como o capitalismo impõe renúncia à criatividade e à autonomia, gerando alienação. 

    O mal-estar, para Freud, é inevitável na convivência social; para Marx, o sofrimento é historicamente condicionado e passível de superação através da transformação social. A repressão freudiana e a exploração marxista se conectam na crítica à opressão: uma no plano psíquico, outra no econômico e político. Freud analisa os mecanismos internos de controle, Marx os externos e coletivos. 

    Ambos indicam que a cultura e a sociedade moldam profundamente o sujeito, seja através de normas internalizadas, seja pela estrutura econômica dominante. Amor, moral e religião, segundo Freud, regulam impulsos; para Marx, ideologia e moralidade reproduzem dominação. Freud evidencia a tensão entre prazer e dever; Marx, entre trabalho e capital. 

   A consciência crítica é central para ambos: para Freud, na compreensão de desejos e conflitos internos; para Marx, na compreensão da exploração e das contradições sociais. Em síntese, Freud fornece ferramentas para entender a subjetividade e os conflitos internos; Marx oferece instrumentos para analisar a sociedade e suas desigualdades estruturais. Integrar suas análises permite compreender a alienação tanto psicológica quanto social. 

    A abordagem freudista-marxista, como sugere Viana, mostra que opressão e sofrimento não se restringem a uma dimensão, mas atravessam psique, cultura e economia. Enquanto Freud enfatiza a inevitabilidade do mal-estar, Marx aponta caminhos para a emancipação coletiva. Ambos, portanto, oferecem lentes complementares para compreender a complexidade da vida humana, articulando desejos, normas, trabalho, poder e história. 

     A compreensão conjunta possibilita uma visão crítica que conecta o indivíduo à sociedade, mostrando que a liberdade e o bem-estar são moldados tanto por fatores internos quanto estruturais. Freud e Marx nos ensinam que a transformação exige reflexão, autoconhecimento e ação coletiva, reconhecendo que a psique e a história estão intrinsecamente entrelaçadas. A síntese freudista-marxista evidencia que o mal-estar humano tem raízes tanto na estrutura social quanto na dinâmica psíquica, permitindo uma análise profunda da condição humana.


Referências

FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago, 1975. (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v. XXI).

VIANA, Nildo. Inconsciente coletivo e materialismo histórico. Goiânia: Edições Germinal, 2002.

VIANA, Nildo. Universo psíquico e reprodução do capital: ensaios freudo-marxistas. São Paulo: Escuta, 2008.

VIANA, Nildo. Karl Marx: a crítica desapiedada do existente. Curitiba: Prismas, 2017.



Fonte: https://chatgpt.com/c/68f3b3e9-66ec-832d-9bc0-c6cf3c253c9c