segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022
IMPLOSÃO DA MENTIRA
Mentiram-me, Mentiram-me ontem
e hoje mentem novamente. Mentem
de corpo e alma, completamente.
E mentem de maneira tão pungente
que acho que mentem sinceramente.
Mentem, sobretudo, impune/mente.
Não mentem tristes. Alegremente
fabulosa/mente como o caçador que quer passar
gato por lebre. E nessa trilha de mentira
a caça é que caça o caçador
com a armadilha.
E assim cada qual
mente industrial? Mente.
Mente partidária? mente.
Mente incivil? Mente.
Mente tropical? mente.
Mente incontinente? mente.
Mente hereditária? mente.
Mente. Mente. Mente.
E de tanto mentir tão brava-
mente, constroem um país
de mentira
– diária/mente.
Mentem no passado. E no presente
passam a mentira a limpo. E no futuro
mentem novamente.
Mentem fazendo o sol girar
em torno à terra medieval-
mente. Por isto, desta vez
não é Galileu quem mente,
mas o tribunal que o julga
herege/mente.
Mentem como se Colombo partin-
do do Ocidente para o Oriente
pudesse descobrir de mentira
um continente.
Mentem desde Cabral, em calmaria,
viajando pelo avesso, iludindo a corrente
em curso, transformando a história do país
num acidente de percurso.
Tanta mentira assim industrializada
me faz partir para o deserto
penitente/mente, ou me exilar
com o Mozart musical/mente em harpas
e oboés, como um solista vegetal
que sorve a vida indiferente.
Penso nos animais que nunca mentem,
Mesmo se têm um caçador à sua frente.
Penso nos pássaros
cuja verdade do canto nos toca
matinalmente.
Penso nas flores
cuja verdade das cores escorre no mel
silvestremente.
Penso no sol que morre diária-
mente jorrando luz, embora
tenha a noite pela frente.
Página branca onde escrevo. Único espaço
de verdade que me resta. Onde transcrevo
o arroubo, a esperança, e onde tarde
ou cedo deposito meu espanto e medo.
Para tanta mentira só mesmo um poema
explosivo-conotativo,
onde o advérbio e o adjetivo não mentem
ao substantivo
e a rima rebenta a fase
numa explosão de verdade.
E a mentira repulsiva
se não explode pra fora
pra dentro explode
implosiva
Página branca onde escrevo. Único espaço
de verdade que me resta. Onde transcrevo
o arroubo, a esperança, e onde tarde
ou cedo deposito meu espanto e medo.
Para tanta mentira só mesmo um poema
explosivo-conotativo,
onde o advérbio e o adjetivo não mentem
ao substantivo
e a rima rebenta a fase
numa explosão de verdade.
E a mentira repulsiva
se não explode pra fora
pra dentro explode
implosiva
(SANT'ANNA, “A implosão da mentira”, O
Acadêmico, maio 1981, p. 11)
RÉGIS, Regiane Monn,
Retratos de um passado recente / Regiane Regis Momm ;
orientadora, Maria Lucia de Barros Camargo -
Florianópolis, SC,
2015.
< https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/136462 > Acessado em 2022.
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